Slate: pickup elétrica de US$ 20 mil promete sacudir o mercado dos EUA

28/04/2025



Quando falamos em startup de veículos elétricos, logo vem à mente a época pós-pandemia, quando as manchetes anunciavam todos os dias o surgimento de uma nova Tesla. Muitas dessas pretendentes chegaram a abrir o capital sem sequer ter um produto — muito menos receita. A grande maioria, obviamente, não decolou.

 

Nesta quinta-feira (24/4), contudo, a Slate surgiu como uma startup completamente diferente. Em vez de competir por luxo e exclusividade, a proposta da marca é devolver o acesso ao mercado automotivo norte-americano. O primeiro passo? Uma picape elétrica compacta e altamente personalizável, que a Slate promete vender por menos de US$ 20 mil (R$ 115 mil, na conversão direta), já incluindo nessa conta o crédito fiscal federal dado a veículos elétricos nos EUA.

 

"Nosso foco é o público trabalhador, a grande massa da população. Há uma enorme base de consumidores à procura de um veículo acessível”, afirma Christine Barman, CEO da Slate, ao InsideEVs.

 

Fundada em 2022, a Slate parece estrear na hora certa. Os preços dos carros nos EUA não se recuperaram da alta provocada pela pandemia e continuam absurdamente elevados. Um número recorde de compradores — cerca de 20% — agora opta por financiamentos em 84 meses.

 

Por outro lado, o preço médio de um veículo elétrico nos EUA hoje gira em torno de US$ 60 mil (R$ 345 mil), um obstáculo gigantesco para quem deseja dar adeus à gasolina. A Tesla até falou sobre um EV de US$ 25 mil mas, como tantas promessas da marca, isso ainda não se tornou realidade.

 

O que é a picape Slate?

Tive a chance de conferir de perto a Slate numa prévia em Los Angeles, na semana passada, e o conceito da empresa vai muito além de simplesmente oferecer um modelo barato. Aqui estão os pontos principais.

 

O tamanho da picape é uma surpresa: compacta, com 4,44 metros de comprimento — 63 cm a menos que a Ford Maverick. A sensação é de estar diante de um modelo de outra época, quando as picapes de duas portas eram mais comuns, e antes de as Ranger se tornarem gigantes. A Slate tem caçamba de 1,52 metro de comprimento e um frunk de 200 litros. No total, são 650 quilos de capacidade de carga.

 

Seu desenho é simples e funcional. É, simplesmente, uma picape com cara de picape — e não um desses delírios exibicionistas auto-afirmativos tão em voga nos tempos atuais. As linhas da Slate remetem às picapezinhas International Scout e Ford Bronco da década de 1960.

 

Há um único motor, montado junto ao eixo traseiro e com 204 cv de potência. É o suficiente para acelerar de 0 a 100 km/h em apenas 8 segundos e alcançar a máxima limitada eletronicamente a 145 km/h.

 

Com a bateria de 52,7 kWh, a autonomia estimada é de 240 km — uma marca modesta, mas a proposta da Slate é ser um veículo urbano, não para longas viagens.

 

"Sabemos que não é o veículo ideal para quem precisa percorrer grandes distâncias", reconhece Chris, dona de um vasto currículo que inclui cargos executivos nas antigas DaimlerChrysler e FCA, bem como em empresas de tecnologia e logística.

 

Para quem precisar de mais autonomia, haverá uma bateria opcional de 84,3 kWh, que permitirá alcançar 385 km. As células são fornecidas pela sul-coreana SK On, também usadas em modelos como Hyundai Kona, Kia EV6, VW ID.4 e a linha EQ da Mercedes-Benz.

 

A potência máxima de carregamento é de 120 kW, e a recarga de 20% a 80% da bateria leva aproximadamente 30 minutos — nada impressionante, mas a picape virá de fábrica com conector NACS, o padrão da Tesla. A Slate ainda não confirmou o acesso à rede de supercarregadores da marca, mas esta é uma possibilidade plausível.

 

Jeff Bezos na parada

A Slate conta com investidores de peso, como o multibilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon. O plano da empresa é ter uma fábrica no Meio-Oeste dos EUA e iniciar a produção no final de 2026. Se tudo correr conforme o esperado, a capacidade máxima de 150 mil unidades por ano será atingida em 2027 ou 2028.

 

A empresa já aceita o pagamento de um sinal de US$ 50 (reembolsáveis) dos interessados em garantir lugar na fila. Quanto ao preço exato, a Slate ainda mantém mistério, mas afirma que o valor começará na faixa dos US$ 20 mil com o crédito fiscal. Levando em conta esses dados iniciais, é razoável supor que o preço-base fique em torno de US$ 27.500 (R$ 158 mil) sem os incentivos, nem considerando os opcionais.

 

Tela em branco para personalização

A picape da Slate promete vir com um pacote de itens de série extremamente enxuto — mas oferecendo uma gama de opções de personalização praticamente sem fim. A startup resolveu simplificar a fabricação e reduzir os custos ao mínimo, criando apenas uma versão do modelo, que será customizada pelo cliente posteriormente. A Slate chama isso de “único SKU" (stock keeping unit, ou unidade de manutenção de estoque). Comparada aos carros tradicionais, que têm diversas combinações de cores, rodas, acabamentos e afins, a Slate sairá de fábrica somente em uma configuração básica.

 

"Estamos devolvendo o poder da personalização aos clientes. Eles poderão adaptar a picape ao longo do tempo, de acordo com seu orçamento e preferências”, afirma Eric Keipper, chefe de engenharia da Slate.

 

A maior parte da carroceria é feita de plástico moldado e resistente a amassados (à moda do antigo Citroën Méhari). E, parafraseando Henry Ford, você pode escolher qualquer cor — desde que seja o cinza do próprio composto plástico. Em sua única configuração padrão, apelidada de “tela em branco”, a picape vem com rodas de aço estampado, pintadas de preto e com desenho simples.

 

O pacote de segurança inclui frenagem automática de emergência e múltiplos airbags. No interior, um pequeno display atrás do volante exibe o velocímetro e a imagem da câmera de ré. Há manivelas para subir os vidros e um interior repleto de plástico.

 

Não há central multimídia, mas um suporte para celular. Sem rádio nem alto-falantes, sem console central e sem bolsos nas portas… é assim que a picape sai da fábrica, é assim que ela é.

 

Mas é aí que as coisas ficam realmente interessantes. O cliente poderá escolher entre mais de 100 acessórios no momento da compra — e não estamos falando apenas de rodas ou forrações internas. Quer transformar sua picape em um SUV? Existe um kit que pode ser instalado com algumas horas de trabalho. São dois tipos: um com design quadrado, parecido com o Land Rover Defender, e outro com uma linha mais inclinada e dinâmica, tipo fastback.

 

Os compradores poderão contratar uma empresa credenciada para instalar os acessórios ou fazer tudo sozinhos na garagem de casa, economizando. E mais: os acessórios poderão ser adquiridos a qualquer momento, seja na compra inicial ou depois. Você começa com uma picape simples e pode, aos poucos, transformá-la em um SUV de cinco lugares, com couro e até para-lamas alargados. E, se enjoar de algum detalhe, é só trocar. Este é o espírito da Slate.

 

A empresa também está desenvolvendo um material instrucional chamado Slate University, onde os donos aprenderão a instalar itens como rack de teto ou remover painéis de carroceria. Tudo foi projetado para quem curte o "faça você mesmo". Muitos componentes são fixados com parafusos Allen, simples de manusear.

 

A lista inclui capas para luzes diurnas e kits de envelopamento vinílico em qualquer cor. Esses envelopamentos são fáceis de aplicar, mesmo para iniciantes, graças às linhas-guia na carroceria, que tem superfícies retas e sem muitas reentrâncias.

 

No interior, a Slate oferecerá acessórios como porta-trecos nas portas, acionamento elétrico dos vidros, porta-luvas com chave e um console central. Capas de banco em várias cores e materiais também poderão ser trocadas, e haverá até opções com aquecimento.

 

E, para quem quiser improvisar um sistema de infotainment, haverá acessórios que permitem acoplar um iPad e alto-falantes ao painel. E para dar um toque mais divertido, há os “slatelets”: pequenas peças que se encaixam no painel, como os apliques das sandálias Crocs.

 

Agora vem o grande desafio

A Slate criou um veículo encantador e um conceito arrojado. Agora, vem o grande desafio: construir uma fábrica enquanto evita as armadilhas que afundaram outras startups. Criar tudo do zero é complicado e caro.

 

Com um produto de baixo custo, a Slate precisará de grandes volumes de produção para gerar receita e alcançar o ponto de equilíbrio. Até agora, nenhuma fabricante dos EUA, além da Tesla, conseguiu vender 150 mil BEVs em um único ano — embora Hyundai e GM estejam chegando lá. Aumentar a produção é um dos maiores desafios das startups de elétricos, e isso quase levou a Tesla à falência enquanto projetava o Model 3.

 

Mas os executivos da Slate dizem que estão prontos para produzir em larga escala graças ao design simplificado do veículo e ao processo de fabricação enxuto.

 

"O número de componentes no nosso veículo é muito menor que nos outros. Isto facilita acertar de primeira na linha de produção. Para nós da Engenharia, focar em um único SKU ajuda a garantir a qualidade”, assegura Keipper.

 

Agora, será necessário convencer os consumidores norte-americanos a apostar em uma picape tão espartana e de uma marca ainda desconhecida. O preço e as opções de personalização ajudarão, sem dúvida. Mas, no fim das contas, o custo dos acessórios é que será determinante para o sucesso ou fracasso da Slate.